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Pessoas

3x Minas Mundo: escritas de si no memorialismo modernista mineiro

André Botelho e Lucas van Hombeeck

3x Minas Mundo: escritas de si no memorialismo modernista mineiro

Queremos estudar a figuração do indivíduo e de processos sociais de subjetivação a partir de uma “escrita de si” no que chamamos provisoriamente de memorialismo modernista mineiro – MMM. Especialmente nos e a partir de textos de três autores centrais: as Memórias de Pedro Nava, em particular Baú de ossos (1972) e Balão cativo (1973); Boitempo (1968) e Menino antigo (1973) de Carlos Drummond de Andrade; e A idade do serrote (1968) de Murilo Mendes. Chamamos a atenção para o conflito tênue, mas decisivo entre indivíduo e sociedade nesses textos: uma subjetividade em busca dramática, não raro trágica, de individualização em meio à cultura objetiva representada pela família (a chamada “tradicional família mineira”) e pela sociedade e o Estado, inclementes estruturas de poder. Por certo, e isso é parte dos problemas empíricos e teóricos centrais da pesquisa, esse conflito parece ser crucial não apenas no MMM, mas também noutros textos de autores mineiros, como Cyro dos Anjos, Afonso Arinos, Lúcio Cardoso, Otto Lara Resende etc.

As figurações do conflito entre indivíduo e sociedade no MMM são a nosso ver indícios empírico-textuais de uma surpreendente construção social cosmopolita da diferença cultural brasileira. Cosmopolitismo relacionado à urbanização precoce de Minas Gerais, comparativamente ao restante do Brasil, a qual também ajuda a compreender o surgimento, no século XVIII, de uma literatura tão distintiva, com acentuado “cunho de universalidade” e um “gosto particular pela narrativa em primeira pessoa” – para lembrarmos “Poesia e ficção na autobiografia” (1976) de Antonio Candido.

A abordagem comparativa proposta toma como ponto de partida a codificação desse conflito em cada texto e no uso que se faz dos dispositivos disponíveis para essas escritas de si em diferentes gêneros – a prosa, a prosa poética, o poema. Assim, a partir de tópicas comuns que atravessam os textos, como a infância, a amizade, a sexualidade, entre outras, será possível perceber na prática desses escritores modernistas a operação não apenas do comentário direto sobre aspectos da relação indivíduo-sociedade, mas também do gesto literário de reescrita – em tensão e submissão, repetição e subversão – de gêneros associados à narração de si.

Mapear as camadas dessa reescrita cosmopolita e compor um repertório de formas de subjetivação figuradas no MMM ajudará a qualificar na literatura percursos e sequências de problemas formais e sociológicos duradouros. Afinal, as narrativas modernistas de si parecem simultaneamente contrariar e reforçar a individuação numa sociedade em que, historicamente, tanto a categoria de indivíduo desempenha papel problemático nas identidades sociais (não tendo perdido inclusive sentido pejorativo no cotidiano), quanto são cada vez mais recorrentes as representações da família como unidade moral da sociedade.

Por fim, mas não menos importante, aproximando o campo problemático das intepretações do Brasil de textos e práticas de escritas de si, poderemos ainda problematizar as relações entre individualismo e cultura política, centrais para a reflexão sobre dilemas históricos da sociedade brasileira recolocados de modo agudo na crise da democracia em curso.

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