Angelo Oswaldo de Araújo
O prodígio da originalidade
O escultor, entalhador e arquiteto Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho (1738-1814), nasceu e morreu em Vila Rica (Ouro Preto), tendo deixado uma obra de largo reconhecimento, como atesta o título de patrimônio da humanidade conferido pela Unesco à cidade de Ouro Preto e ao conjunto do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. O que particulariza o legado do Aleijadinho, por sobre a qualidade extraordinária da incisão escultórica e do risco dos edifícios, é a originalidade conquistada a partir da soma de variada contribuição de estilos e das condicionantes do tempo e do meio em que viveu.
Filho de uma africana escrava, formou-se junto ao pai, o arquiteto, mestre carapina e construtor português Manuel Francisco Lisboa, recebendo lições de outros destacados autores vindos de Portugal, como Coelho de Noronha e Xavier de Brito. Seu estilo evoluiu do barroco para o rococó vigente na segunda metade do século XVIII, mas nada o deteve na busca de uma identidade própria, que naturalmente emergiu como resultante de sua capacidade de ir além de normas ou cânones. O historiador da arte francês Germain Bazin disse que Deus apareceu pela última vez na arte do Ocidente por meio da obra do Aleijadinho. O impacto que ela causou no poeta ainda simbolista Mário de Andrade, ao visitar as cidades históricas mineiras, em 1919, resultou numa das principais metas do modernismo da década de 1920: a busca da identidade brasileira e a emancipação do artista nacional no quadro do internacionalismo dominado pela produção europeia e norte-americana. Os modernistas de São Paulo consideraram o Aleijadinho como sendo o primeiro artista genuinamente brasileiro, exatamente pelo domínio subversivo que exerceu sobre modelos, padrões e estilemas impostos pela metrópole ao império colonial.