Beatriz Malcher
O mundo que engole o mundo: a escrita visual de Sebastião Salgado
Sebastião Salgado nasce em 1944 em Aimorés, no vale do rio Doce. Ainda jovem, parte em direção à Vitória, onde estuda economia, e de lá em direção a São Paulo, obtendo seu título de mestre em economia pela USP. Fugindo da ditadura civil-militar, Salgado vai para a Europa em 1968 e se emprega no Banco Mundial, por meio do qual faz muitas viagens ao continente africano – onde tem o seu primeiro contato com a fotografia. Em 1973 decide se dedicar exclusivamente ao que chama de “reportagem fotográfica”. Ao longo de trinta anos circula nos mais diferentes cantos habitados do globo registrando realidades e modos de existência que expõem as antíteses das grandes promessas de progresso de nosso tempo.
De Minas para o Mundo, o fotógrafo parece repensar os processos históricos em curso a partir das margens; registrar os vencidos da história, ou uma história vista de baixo. O ponto de chegada desse percurso acontece entre 1993 e 1999 em seu projeto mais polêmico: Êxodos (2000). No entanto, a experiência desse ensaio tornou o registro de um mundo que devora o mundo impossível para ele. Diante da dor dos outros, o artista emudece. Sua voz, porém, é reencontrada em Aimorés. O ciclo se fecha: tendo saído de Minas em busca do mundo, é de volta a Minas que o fotógrafo consegue encontrá-lo. A partir do reflorestamento da fazenda de seu pai, Salgado compreende o absurdo da separabilidade entre humanidade e natureza, e dali em diante sua fotografia nunca mais será a mesma. O trabalho que faz nos anos que seguem tem como resultado o ensaio Gênesis (2013). Contra o mundo técnico e o tempo do progresso que leva à catástrofe, a nova fotografia de Salgado encontra uma outra temporalidade – dentro do século XXI, um tempo fora do tempo.
Levando em conta esse percurso, minha pesquisa propõe uma reflexão sobre a escrita da história através das imagens de Sebastião Salgado. Para tal, proponho estudar a fotografia de Salgado menos como uma reportagem visual e mais como uma fotografia de caráter narrativo, desenvolvendo uma leitura interna dessas imagens para a compreensão do modo pelo qual as questões sociais e ambientais são internalizadas na fotografia. A partir dessa leitura interna será possível entender a narrativa histórica composta por essas imagens levando em conta tanto os ensaios fotográficos em sua individualidade, quanto no conjunto de sua obra.