José Newton Meneses
A mesa dos mineiros narra Minas
A proposta de pesquisa objetiva refletir sobre práticas e gostos alimentares no âmbito de uma construção cultural mais ampliada em um território específico, as Minas Gerais. Quer ver a comida a partir de uma perspectiva de seus fazeres e de seus discursos. A comida é linguagem e nesse sentido narra uma cultura. Parte-se de um viés crítico à tradição ensaística sobre os regionalismos estanques das cozinhas e abre-se, como propõe o projeto Minas Mundo, para considerar diálogos amplos de uma construção cultural atenta ao outro, cosmopolita, descentrada, mas buscando vasculhar o seu próprio quintal, um mundo anexo à cozinha. A pesquisa se apoia em uma trajetória de análises de inventários post mortem e de documentos camarários do universo dos mais de 300 anos de conformação do espaço administrativo de Minas e das narrativas de estrangeiros cientistas-viajantes que se interessaram em conhecer, ordenar e registrar as paisagens dessa capitania, província e estado; paisagens natural e humana narradas a partir de vivências e memórias. Esse percurso de crítica a documentos cartorários, administrativos e a narrativas de viajantes ilumina uma leitura nova, de narrativas literárias que não apenas perscrutam os quintais, as mesas e os fogões, mas, com verticalidade, desvelam as memórias de gente cuidadosa com o gosto alimentar dos mineiros. A literatura tem se apegado, geralmente, a memórias afetivas dos autores encarnadas em seus personagens. Embora essas categorias de interpretações possam ser inventariadas e tipificadas, a pesquisa quer ir além: almeja confrontar o narrado e a transmissão da prática alimentar no tempo, ou seja, a tradição da comida, que incorpora mais mudanças que permanências, mais valores que preceitos, mais gostos que necessidades. Incorpora mais diálogos que apego a raízes. Indica um ethos.
Nesse sentido, a investigação perscruta os textos literários vendo-os como fatos sociais a perceberem uma Minas que, desde seu tempo colonial, “é portuguesa, mas não é Portugal”; tem na herança lusa um eixo importante, mas não rígido; na raiz ameríndia um alicerce aberto às levezas das sazonalidades; nas culturas africanas um baluarte essencial de cerne moldável, seguindo as várias culturas da África, que também nos colonizam e nos edificam. São culturas de saberes plurais, maleáveis e diversos. Sobretudo, em sua cozinha e práticas, Minas acrescenta a interrelação das regiões do Brasil, das migrações fronteiriças em busca da construção de riquezas. O processo histórico da cozinha mineira é marcado pelo trânsito inter-regional e pela receptividade fácil e comedida do outro.
A mesa dos mineiros narra Minas! Narra a construção de um gosto e conduz a inúmeros relatos que buscam sua compreensão. Compreendê-las – a mesa, a cozinha, a comida e suas narrativas – exige confrontar contradições, juntar texturas, aventurar-se sem a prioris, com argúcia crítica e desapego a modelos dados.