Oswaldo Giovannini Jr.
A mineiridade no modernismo: Aires da Mata e o registro dos vissungos
Aires da Mata Machado Filho (1909-1985) foi filólogo, escritor e folclorista mineiro. Registrou um dialeto falado por descendentes de escravos em São João da Chapada, Diamantina, MG, juntamente com 65 cantos vissungos (letra e partitura) usados pelos negros no garimpo de diamantes. Tais cantos eram compostos por uma mistura de palavras em português e outras de origem africana, formando o que ele nomeou como “dialeto crioulo”. Eram cantos de trabalho, fúnebres, festivos e, como seu significado não era compreendido pelos homens brancos daquela sociedade, também funcionavam como uma “língua com segredo”.
Seu livro O negro no garimpo em Minas Gerais (sua primeira publicação ocorreu na Revista do Arquivo Municipal em 1939) marcou seu lugar no pensamento social brasileiro, inserindo o autor no meio dos modernistas mineiros, no Movimento Folclórico Brasileiro e no meio intelectual nacional. O livro, publicado em 1943, obteve intensa recepção, nacional e internacional, tanto nas ciências humanas quanto no meio musical e artístico, fazendo com que as categorias culturais presentes no pensamento do seu autor alcançassem “ressonância” ao longo das décadas, ecoando até os dias atuais e permitindo a essa expressão cultural do garimpo mineiro participar da história social e cultural brasileira.
O movimento modernista em Minas formou um importante ambiente intelectual no qual Aires se inseria e que foi o primeiro meio consumidor em que sua obra ganharia ressonância. A abertura ao que se passava no mundo poderia caracterizar esse “espírito moderno” que tomava conta daqueles jovens mineiros ao qual se aliava também um “sentimento de Minas”, ou seja, procuravam integrar essa nova visão do mundo com uma tradição mineira. Epara Aires da Mata era fundamental a inclusão nessa tradição do “elemento negro”, do “dialeto crioulo”, dos cantos vissungos.