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Coleção de cacos: objetos biográficos na literatura mineira

Eneida Maria de Souza

Coleção de cacos: objetos biográficos na literatura mineira

A proposta em pauta está centrada na abordagem das narrativas literárias mineiras com enfoque na análise do sistema de objetos que possibilitam a relação entre tradição e modernidade, conduzindo ao debate sobre o cosmopolitismo. Com a utilização do objeto como elemento mediador para a construção de redes interpretativas que contemplam formas específicas de subjetivação individual e coletiva, pretende-se descartar a oposição entre sujeito e objeto, com vistas à produção de imagens da vida cotidiana e suas relíquias futuras. A fabulação de histórias no âmbito da literatura mineira do século 20, com particular enfoque no período modernista e pós-modernista, prioriza autores que dramatizam o sentimento de instabilidade e de permanente sensação de desterro na própria terra. O olhar cosmopolita concentra-se nessa encruzilhada entre paisagem arcaica e urbana, local e global, a partir do deslocamento constante dos lugares de origem e na tentativa de alcançar espaços heterogêneos que redefinem singularidades. A tradição cultural mineira, pautada pelo passado escravocrata e a herança europeia, guardou do passado resquícios e costumes compatíveis com o sentimento de renovação e superação dos sonhos de futuro.

1. Guardar e colecionar objetos e documentos pertencentes à saga familiar são atitudes próprias à sociedade burguesa e patriarcal, nas quais o apego à memória dos objetos confere ao seu possuidor o sentido de pertencimento a uma classe, um lugar e um clã, condições capazes de integrá-lo à sociedade. As Memórias de Pedro Nava são exemplos dessa prática. Os objetos, destituídos do valor de uso, passam a assumir o estatuto de valor biográfico, mágico e aurático. O culto ao objeto como relíquia de família representa o desejo de alinhamento ao passado e a preservação de valores patriarcais. 2. A proposta poética de Guimarães Rosa como escritor brasileiro foge da pecha de regionalista e se liberta dos modelos estrangeiros como matriz de influências. Redefine a defasagem entre cidade e província, com o processo de modernização e a presença de objetos que marcam esse conflito e as mudanças, como o rádio, pelo contato com as narrativas da cidade; a venda do pai, em Cordisburgo, celeiro de histórias dos fregueses, as quais mais tarde serão lembradas e reconstruídas pelo filho-escritor, entre outros inúmeros objetos. 3. Em Autran Dourado, as quixotescas e bovarianas leitoras de romances de folhetim ou de poemas patrióticos mantêm um terrível pacto com a solidão, o abandono e o fracasso. O retrato da sociedade patriarcal brasileira é delineado sob o signo da decadência e do término da imagem utópica das Minas Gerais, enriquecida com o brilho e a opulência do ouro. A canastra da personagem Biela, símbolo de sua vida humilde e simples do sertão mineiro (Uma vida em segredo) e a descrição do sobrado barroco de Rosalina, resquício da opulência do ouro nas Minas Gerais (Ópera dos mortos), constituem imagens significativas para a compreensão desse trágico cenário barroco e decadente.

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