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“O Aleijadinho” e sua recepção histórica e crítica

Luiz Armando Bagolin

“O Aleijadinho” e sua recepção histórica e crítica

“O Aleijadinho”, assim, entre aspas, expressa não mais do que um conjunto de representações que não necessariamente tem como origem um indivíduo chamado Antônio Francisco Lisboa, supostamente um artífice, mulato, forro, que viveu em Vila Rica e seus arredores, entre o final do século XVIII e o início do XIX. Como representação, entre outras representações, “o Aleijadinho” é um conceito que seguiu com vida própria à medida que foi se institucionalizando no Brasil, desde meados do século XIX, a par de interesses políticos nacionalistas, em primeiro lugar, mercadológicos, depois, não correspondendo nunca a uma unidade psicológica indecomponível. A invenção do Aleijadinho na persona do entalhador Antônio Francisco Lisboa, que provavelmente circulou pelas Minas Gerais do XVIII, coube a Rodrigo José Ferreira Bretas (1814-1866), tendo investido a composição de sua biografia do escultor em gênero epidítico, que encomia obras e louva vidas, emulando ao mesmo tempo a célebre novela de Victor Hugo, O corcunda de Notre-Dame, que era uma predileção nas leituras do imperador Dom Pedro 2º.

Bretas, professor de retórica, foi hábil em montar uma biografia que move o leitor em direção à dor, sublime, da vida, deformada e finita, em confronto com a arte bela e infinda, operando por disjunções, quanto ao ethos, a composição do personagem Aleijadinho. Reúne, com os procedimentos retóricos do gênero referido, a menção ao Livro de Registros de Fatos Notáveis da Cidade de Mariana do Vereador José Joaquim da Silva, que teria sido publicado em 1790, porém desaparecido (ou talvez nunca escrito), como recurso a conferir-lhe a verossimilhança como verdade de prova.

O discurso de Bretas, por sua vez, comove por oxímoro, como o belo-feio, ou o monstro que faz maravilhas. Retém-se também nessa oposição um dos critérios para as antigas coleções de mirabilia, as maravilhas, os maravilhosos, por exemplo, onde se compõem, de acordo com a ordo naturalis, os caprichos e grotescos, os fantásticos da natureza. Nasce desse modo outra representação, cujos desdobramentos tornaram-se evidentes em leituras posteriores, durante o século XX, como a do mito poético inventado por Lezama Lima, ou seja, o da arte da cultura criolla como arte de resistência ou “arte da contraconquista”, o que será, sobretudo, explorado pelos modernistas na defesa do nativismo e da identidade própria para a arte brasileira.

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