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Projeto literatura e biopolítica: os romances da decadência

Wander Melo Miranda

Projeto literatura e biopolítica: os romances da decadência

Uma das possibilidades de se entender a prosa moderna brasileira é o estudo da obra de Cornélio Penna, Lúcio Cardoso e Autran Dourado, autores voltados para a abordagem da decadência da família patriarcal brasileira, em nítida contraposição ao acelerado processo de modernização em curso nos anos 1950 e 1960. Ler esses autores a partir de uma perspectiva biopolítica se oferece como nova possibilidade de elucidação de questões literárias, históricas e políticas, apresentadas de maneira a dar uma forma original ao corpo social, tendo em vista, segundo Jean-Luc Nancy, que escrever é tocar o corpo com o incorpóreo do sentido, “tornando o incorpóreo tocante”. Ou ainda, segundo Roberto Esposito: “Não coincidindo nem com a pessoa nem com a coisa, o corpo humano abre um ângulo de visão externo que projeta uma sobre a outra”, abrindo-se, por sua vez, a possibilidades insuspeitadas de relação entre corpo e escrita.

Tome-se como exemplo a relação entre o corpo doente de Nina e a ruína da chácara dos Menezes em Crônica da Casa assassinada (1959), de Lúcio Cardoso, ou a presença fantasmagórica da personagem a que se refere o título A menina morta (1954), de Cornélio Penna, para ficar nos anos 1950, ou, se quisermos avançar um pouco no tempo, a figura solitária de Rosalina, em Ópera dos mortos (1967), de Autran Dourado. Nada mais inatual, artística, social e politicamente e, no entanto, nada é mais contemporâneo nosso, do que esses romances escritos e publicados a partir do decênio de 1950, no momento em que o país se empolga com a construção de Brasília no planalto central e com a abertura da moderníssima rodovia Transamazônica, ou se vê confrontado com o processo de modernização autoritária promovido pela ditadura civil-militar a partir de 1964.

Esses romances se apresentam como corpos significantes, voltados para uma cerrada introspecção que, paradoxalmente, deixa ver sua inscrição política: se a política é o que desloca um corpo do lugar ou que muda o destino de um lugar, ela faz então ver “o que não tinha razão para ser visto, faz escutar um discurso onde só o ruído tinha lugar”. Cabe então perguntar de que forma se constitui literariamente esse discurso, como se configura, nesses termos, a relação entre público e privado, como se configura o objeto verbal lhe dá forma. Para responder a essas e outras indagações, bem como retomar a relação entre literatura e biopolítica, pareceu um caminho pertinente e ainda pouco trilhado em se tratando das obras e autores citados, bem como de outras produções similares.

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