Celi Scalon, André Junqueira Caetano e Fernando Tavares Jr.
Sociologia mineira e sua aposta na empiria
Tanto sertaneja quanto cosmopolita, Minas se constituiu em entreposto de uma nação que se formava, com culturas migrantes de diferentes cantos de um país continental, integrando ciclos agrícolas, mineradores, industriais, comerciais, intelectuais e culturais. Assim foi também na sociologia. Para a sociologia das desigualdades e estratificação no Brasil, muito se desenvolveu nas, a partir das e com as Gerais. Se suas serras alterosas revelam contrastes, suas formações e transformações sociais os refletem. Um eixo relevante nessa formação é a contribuição da produção sociológica mineira para o desenvolvimento do diálogo de ensaios e teses acerca da formação do Brasil com uma nova pesquisa com raízes empíricas e largo uso de métodos quantitativos. A reflexão sobre o Brasil ganhava números, amparos estatísticos, dados robustos e um vasto lastro na observação de cotidianos contrastantes em larga escala. Devemos a Minas Gerais uma significativa contribuição para o desenvolvimento de pesquisas de surveys; investigações comparativas; modelos com inferência regional, nacional e internacional; ciências sociais aplicadas e a abertura do cenário brasileiro a novos métodos, técnicas e instrumentos empíricos.
Nesse diálogo, observa-se também o traço do cosmopolitismo mineiro ao se constatar que, ontologicamente, Minas revela-se como um resumo do Brasil e o Brasil se encontra, ou se redescobre, em Minas. Minas sempre acolheu grupos e fluxos migratórios de diferentes regiões, também por ocupar posição geográfica, política e econômica que tangia tais movimentos: do Nordeste ao Sudeste, da antiga capital à nova, da “República do café com leite” à “Nova República”. As múltiplas regiões de Minas refletem características de suas fronteiras. O Sul de Minas assemelha-se a São Paulo. O Norte, ao Nordeste do país. O Triângulo lembra o Centro-Oeste e o Sertão reflete a nova fronteira agrícola. Contrastes também em suas cidades, com centros densamente forjados, como a capital; muitas áreas rurais e pouco povoadas; além de várias importantes cidades de médio porte, que operam como “capitais regionais”. Somam-se desigualdades econômicas e sociais profundas, como o pobre Vale do Jequitinhonha, com indicadores entre os menos desenvolvidos do país, à afluência econômica agrícola do Triângulo, além de outras tantas cidades e microrregiões que estão entre aquelas com maior IDH do país. Estudar e compreender Minas Gerais permite vislumbrar sinteticamente processos em curso no conjunto do país, como migrações, diminuição/elevação de desigualdades, entre outros com relevância para políticas públicas.
Esse traço revela características da sociologia desenvolvida nesses contextos, baseada na mobilização de suporte empírico para, junto das tradições do pensamento social, desenvolver uma sociologia aplicada com relevância e destaque internacional. Assim ocorreu em áreas de pesquisa como violência, avaliação e gestão da educação, ciência política e pesquisas eleitorais, além da sociologia e economia rurais. Alguns dos mais importantes centros de pesquisa social no Brasil nasceram assim e se tornaram referência para o diálogo com a sociologia no mundo, como o CEDEPLAR, o CAEd, o CRISP, além dos centros e departamentos em Viçosa e Lavras, dedicados à sociologia rural, e outros núcleos que se internacionalizaram como porta-vozes de uma reflexão nacional, feita a partir de larga empiria e profundo conhecimento local.
A partir dessa reflexão, apresentamos duas propostas:
1) Análise quantitativa de dados socioeconômicos, populacionais e de comportamento político, que demonstrem como os resultados obtidos para o estado de Minas Gerais refletem aqueles esperados para o país, indicando, assim, que Minas Gerais pode ser vista como uma “proxy” do Brasil. Neste caso, propomos focar em alguns tópicos relativos à área de estratificação e desigualdades, como educação, padrão de vida, juventude, além de comportamento político. Para tanto, serão utilizados modelos estatísticos.
2) Pesquisa qualitativa com um grupo de sociólogos mineiros que tiveram formação nos EUA e foram responsáveis pela “sociologia empírica” – uma marca da sociologia praticada em Minas –, e que, ao migrarem para diversos estados, consolidaram um fazer sociológico em todo o país. Alguns nomes considerados neste momento são: Simon Schwartzman, Olavo Brasil de Lima Junior, Renato Boschi, Elisa Reis, Bolívar Lamounier e Vilmar Faria. Contemplaremos também a criação do Curso de Métodos Quantitativos, que se estabelece na UFMG sob a liderança de Neuma Aguiar e de dois sociólogos de outra geração que vieram do Recife para a UFMG: Daniele Cireno e Jorge Alexandre. A metodologia adotada será de entrevistas em profundidade diretamente com os pesquisadores citados. Para acessar informações sobre Vilmar Faria e Olavo Brasil de Lima Júnior, propomos entrevistar Fernando Henrique Cardoso e Renato Boschi, respectivamente. Os nomes não se esgotam nos apontados aqui, uma vez que a técnica de snowball permite que novos atores surjam no decorrer das entrevistas.