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O turista aprendiz

Pedro Jardim

O turista aprendiz

Esta galeria une as fotos tiradas por Mário de Andrade em sua viagem à Amazônia em 1927 às minhas, tiradas em 2015. “O turista aprendiz”, como Mário se intitula em seu relato de viagem à região, através de sua câmera, mais do que registrar, constrói um olhar sensível e artístico sobre “esse mundo de águas”, a Amazônia. O fotógrafo amador, seguindo o poeta, intelectual e homem público que foi Mário, não se interessa somente pelo colecionamento de elementos da cultura popular, mas acima de tudo, interessa-se por conferir dignidade e reconhecimento aos atores sociais. Minhas fotografias, também amadoras, buscam se relacionar com as tiradas pelo modernista a partir da categoria “sobrevivências”: o que insiste em sobreviver a despeito do desmantelamento crescente das políticas públicas de proteção à floresta e aos povos que nela habitam?

Enlace de gerações

Alexandre Pereira e João Mello

Enlace de gerações

O painel busca enlaçar romantismo, modernismo e a juventude com quem Mário de Andrade tanto dialogou em sua vida. O modernismo, assim como o romantismo brasileiro, toma como uma de suas tarefas pensar o Brasil. Entretanto, não busca repetir o exemplo do romantismo, mas aprender com suas lições e traçar seu próprio caminho, tendo em vista seu contexto e os problemas dali derivados. Um dos traços distintivos que marcam a pesquisa de Mário sobre o Brasil é sua ênfase em um projeto coletivo e colaborativo, embora não necessariamente consensual. Daí seu apelo à juventude e sua intensa atividade em estabelecer contato com os mais diversos artistas.
Nesse sentido, a composição busca enlaçar essas gerações, tornar evidente o que o tempo tornou disperso, unindo diferentes pontas. Dando forma, por meio de imagens, ao projeto coletivo – não consensual e com uma multiplicidade de sentidos – de expressar, formar e dar forma ao local do sentimento, tornando-o também lugar de pensamento.

Ouro Minas

Alice Ewbank

Ouro Minas

A riqueza do ouro das Minas Gerais na riqueza das formas, imagens e movimentos da arquitetura religiosa; dos entalhes, dos retábulos, dos altares, dos forros e dos santos do deslumbramento do barroco e do rococó mineiro. Pensar sobre as Minas Gerais é, para mim, novamente percorrer a viagem afetiva e histórica em família, conduzida pelas aulas do pai historiador da arte, pelas cidades da Estrada Real: Ouro Preto, Mariana, Sabará, Tiradentes, São João Del Rey e Congonhas. A montagem da galeria de imagens da memória reúne lado a lado as fachadas brancas das igrejas com seus relevos particulares de cantaria, com frontões que ora prenunciam, ora disfarçam os santuários de ouro que seus interiores descortinam. Galeria virtual que assoma tal um quadro de Guinard, outro viajante afetivo das Minas Gerais, onde as igrejas-pérolas se revelam múltiplas, brilhantes, no mar de morros das Minas/neblinas/nuvens/Gerais.

“Onde a luz guarda a sombra e comove”

Rennan Pimentel

“Onde a luz guarda a sombra e comove”

As esculturas forjadas em ferro mineiro de Amilcar de Castro levaram Minas para o mundo.

“A escultura é a descoberta da forma do silêncio onde a luz guarda a sombra e comove.”

– Amilcar de Castro.

 

A ideia dessa galeria surge a partir de um diálogo com o vídeo-manifesto do MinasMundo.  Nele uma fala do escultor mineiro sobre sua obra é lembrada: “A linha reta é como um corte da escultura, é um espaço da matéria na chapa de ferro; esse espaço, de certa maneira, introduz o espaço externo no material, ele atravessa a chapa”. Assim, o objetivo foi mostrar esse enlace da obra com o ambiente a partir de registros pessoais e imagens das esculturas na paisagem mundo afora e ao alcance dos olhos nas buscas na internet.

As esculturas aberturas em ferro mineiro e aço corten feitas em cortes e dobras fazem um jogo com o registro fotográfico a partir de cada ângulo que se vê, produzindo uma ilusão entre o fotógrafo, a câmera e a paisagem. Em certos momentos, há a sensação de que a obra incorporou a paisagem para si, uma vez que envelhecem com o tempo e acompanham a história do ambiente.

As esculturas, que lembram uma folha de papel cortada e dobrada, incorporam o vazio por onde a luz penetra, guardam a sombra e comovem o ambiente. Suas obras expõem seu caráter cosmopolita, dialogam com o ambiente, enferrujando e tornando-se um testemunho da ação da natureza e da sociedade.

Vago registro de peças artesanais acumuladas sem enredo em um canto de Minas

Alex Mazurec

Vago registro de peças artesanais acumuladas sem enredo em um canto de Minas

As imagens são de um breve instante na Oficina de Ourives Santíssima Trindade, em Tiradentes (MG).

Na fachada é uma loja de artesanato comum, contudo, atrás dos balcões turísticos, descobrem-se sucessivas salas de oficinas ou depósitos, onde dormem uma empoada exposição, docemente iluminada pelas claraboias, cuja lúdica atmosfera as câmeras pouco conseguem transmitir. Pilhas, estantes, varais, mesas e peças interpostas acabam por retratar sucessivas modas da decoração popular: madeira, lata, vidro, sucata, novos, infantis, caros, vulgares, industriais, todos convivendo em livre esquecimento, competindo aos gritos das cores brutas, por um lugar na memória.

Milhos Gerais – Cosmopolitismos Rurais

Joana Ramalho Ortigão Corrêa

Milhos Gerais – Cosmopolitismos Rurais

Cosmopolitismos Rurais. Milho Verde. Minas Verdes. Milhos Gerais. Minas das Águas. Milho das Águas Vertentes do Cerrado. Uma roça cosmopolita no alto das águas nascentes do Jequitinhonha, há 21 anos confluindo e vertendo culturas a partir dos encontros entre saberes tradicionais e linguagens artísticas criativas e autorais.

O Encontro Cultural de Milho Verde é um festival que dissolve fronteiras e sintetiza a cena contemporânea do mundo rural cosmopolita. É realizado há 21 anos, no distrito de Milho Verde, em Serro, no Alto Jequitinhonha. Milho Verde é um baú de riquezas culturais, históricas e naturais no Cerrado, repleto de cachoeiras. Terra de convergência de povos, guarda camadas densas de sonoridades, saberes e fundamentos tradicionais e quilombolas. Durante os encontros, artistas visitantes misturam suas artes às culturas locais ancestrais e à pulsante criação de artistas residentes, brasileiros e latino-americanos. São 21 anos de dedicação coletiva ao fazer cultural do interior – popular, tradicional, cosmopolita, mineiro, rural, quilombola, latino, contemporâneo – em reencontros de arte e amizade. A região vem sofrendo com a ameaça de entrada de projetos minerários predatórios. E os encontros culturais se tornaram também momentos de resistência em defesa das águas vertentes do Cerrado, das comunidades rurais e quilombolas, dos patrimônios culturais da região e das paisagens exuberantes.

Pequeno estudo para sobrevivência pagã no barroco

André Botelho

Pequeno estudo para sobrevivência pagã no barroco

Em memória de Maria Helena Coelho.

Caberia começar por Minas Gerais, por certo. Os Atlantes do Aleijadinho da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Sabará? Trago outros mundos. Parte de outro roteiro barroco, mundo vasto mundo. Do Recôncavo baiano à Costa do Malabar indiana, passando pelo Rio de Janeiro e pela doce Paraíba.

Primeiro, a papeleira indo-portuguesa cujos pés me pareceram “sereias indianas” – já que traziam caudas de peixes e o “bindi” – o ponto sagrado utilizado nas testas por mulheres indianas. Anos depois, casualmente, percebi figuras semelhantes esculpidas em madeira nos altares de templos católicos espalhados pelo Nordeste. Na minha cidade, com espanto, identifiquei as mesmas figuras. Na igreja de Santa Rita, na esquina da Rua Miguel Couto, ela aparece desenhada no mosaico de mármores que guarnece o lavabo da sacristia – para onde cariocas de outros tempos acorriam buscando curas milagrosas que as suas águas vertiam.

E os exemplos foram se multiplicando, mas, a partir daí, não mais casualmente, já que munido da câmera de celular passei a perseguir indícios e recorrências em templos católicos dentro e fora do Brasil. No Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa descobri seu nome: nagina. Figuras secundárias do panteão pagão hindu que habitam as águas e se relacionam com os deuses, nomeadamente Vishnu – o deus maior do hinduísmo.

Brasil e Índia foram partes de um mesmo império lusitano e os muitos sincretismos culturais operados pelos portugueses pareciam suficientes para explicar a recorrência aqui e lá dessas espécies de guardiãs de templos, com historiadores da arte apontando inclusive certa domesticação, com a cauda da serpente adquirindo a aparência mais familiar europeia da cauda de peixe/sereia entre os católicos. Todavia, quando por lá os portugueses chegaram, com seu cristianismo latino paulino, a cultura hindu já estava assentada no substrato religioso dos Cristãos de São Tomé, grupo etnorreligioso da Costa do Malabar, cujas origens remontariam também aos primórdios do cristianismo – eles são assim autonomeados por terem sido, segundo a tradição, evangelizados pessoalmente pelo apóstolo São Tomé no ano de 52.

Meu exercício warburguiano para o AtlasmnemosyneMinasMundo busca, assim, trazer sobrevivências imagéticas num jogo de recorrências, reminiscências, deslocamentos. Como sugere Aby Warburg em relação ao que o artista renascentista talvez buscasse na antiguidade pagã, desconfio que, também no caso das naginas, não se trata exatamente de “representar” serenidade e harmonia, mas antes de “exprimir” dor e movimento. Pathosformeln (“fórmulas de páthos”), padrões gestuais e simbólicos que dariam forma às experiências cruciais vividas nas mais diferentes épocas – e lugares.

* * *

Extrapolo. Pensando em naginas que habitam as águas, e no Rio de Janeiro são guardiãs de uma fonte barroca de águas milagrosas, lembro a “santa sem um dos pés” do romance O outro pé da sereia, de Mia Couto. A imagem encontrada na beira de um rio liga o passado e o presente de Moçambique: ela é a mesma que viajou, em 1560, com o jesuíta Gonçalo da Silveira, ao partir de Goa, do outro lado do Índico, para converter ao cristianismo o imperador do Reino do Ouro, ou Monomotapa. Nossa Senhora para os portugueses, a imagem era chamada de Kianda, uma divindade das águas, pelos escravos da nau; os africanos a tratariam por Nzuzu, rainha das águas doces. Claro, poderia chegar à sereia em Grande Sertão: Veredas, mas, não o farei. A voluta é uma espiral, não um círculo.

Afromnemosyne: o corpo, a dança, as mãos, o olhar

Roniere Menezes

Afromnemosine: o corpo, a dança, as mãos, o olhar

A ideia da montagem partiu da lembrança de trecho de carta de Mário de Andrade a Carlos Drummond em que Mário trata da dançarina que vira desfilar no carnaval do Rio de Janeiro, totalmente entregue aos movimentos. Procurei imagens que mostrassem artistas imersos em sua performance. Durante a pesquisa, percebi que diversas pinturas, fotografias, diversos desenhos mostravam artistas concentrados(as), alheios(as) ao mundo ao redor e, ao mesmo tempo, com os braços e os olhares dirigidos ao alto, como se os braços funcionassem como antenas, galhos de árvores a sustentar um céu que não pode cair, e os olhos pedissem, aos céus, bênçãos, inspiração e força para a continuidade da luta cotidiana. O corpo brinca, ginga, e os pés do artista, da artista pisam com delicadeza a terra, como bom sambista a acariciar o chão em que dança e de onde extrai energia vital. As imagens selecionadas são um recorte dos textos encontrados. A relação entre as imagens sugere sobrevivências da gestualidade ancestral aberta ao devir. Foram selecionados também alguns trechos de poemas, narrativas, quadras populares e sambas de autores mineiros. Em diálogo com as imagens, os textos de literatura e canção almejam ampliar nossa percepção sobre o tema tratado.

“Uns negros dançando o samba. Mas havia uma negra moça que dançava melhor que os outros. (…) Ela me ensinou a felicidade.”
(Mário de Andrade – Carta a Drummond)

“Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.”
(Carlos Drummond)

“A alegria de meu povo explode
Em charamelas, trombetas e gaitas,
Rouqueiras de estrondo e júbilo,
Canções e danças pelas ruas.”
(Carlos Drummond)

“Na viola do urubu
O sapo chegou no céu.
Quanto pego na viola
O céu fica sendo meu.”
(Quadra de Sagarana – Guimarães Rosa)

“Dentro das alas, nações em festa
Reis e rainhas cantar
Ninguém se cala louvando as glórias
Que a história contou”
(Milton Nascimento)

“Era um, era dois, era cem
Mil tambores e as vozes do além”
(Milton Nascimento e Márcio Borges)

“Morro velho, senzala, casa cheia
Repinica, rebate, revolteia”
(Milton Nascimento e Márcio Borges)

“Na casa aberta
É noite de festa
Dançam Geralda, Helena, Flor
Na beira do rio
Escuto Ramiro
Dona Mercês toca tambor”
(Flávio Henrique e Chico Amaral)

“Sá rainha chamou ê viva, ê viva!
Com chicote na mão: ê viva, ê viva!
Eu não sou de apanhar, eu não sou nego dela
Eu não vou lá, eu não vou lá!”
(Maurício Tizumba)

“Baiana é aquela que entra no samba de qualquer maneira
Mexe, remexe, dá nó nas cadeiras
E deixa a moçada com água na boca”
(Geraldo Pereira)

“Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita do samba”
(Ataulfo Alves)

“Minha vida é essa
Subir Bahia e descer Floresta”
(Rômulo Paes)

“Em Minas Gerais, tem ferro, tem ouro, tutu
Tem gado Zebu,
Tem também, umas toadas,
Alma sonora das quebradas
Encantos das noites de luar”
(Ary Barroso)

“Na Avenida da Paixão
Meu peito não desfila mais,
Tu serás porta-bandeira
Que eu vou pra Minas Gerais”
(Wander Lee)

“Diz um diz que viu e no balaio viu também
Um pega lá no toma-lá-dá-cá do samba”
(João Bosco)

“A multidão me revela, assim, que há coisas extraordinárias, vibrações estranhas, há um mundo diverso do meu e com o qual tentarei, em vão, comunicar-me.”
(Ciro dos Anjos)

“Quem foi que fez brasileiro bater
Tambor de jongo?
De onde é que sai quem batuca com o pé
Terno-de-Congo?
Quem é, me ensina quem foi
Que fez o povo dançar
Tambor-de-Mina, Bumba-meu-boi,
Boi-bumbá,
O bambaquerê,
O samba, o ijexá,
Quando o Brasil resolveu cantar?”
(Sérgio Santos e Paulo Sérgio Pinheiro)

Todos os rios levam a Minas

Paulo Maciel

Todos os rios levam a Minas

O painel deve ser visto como uma espécie de paráfrase do ditado: “Todas as estradas levam à Roma”.  Acredita-se que ele pode ser referido a um monumento erguido por volta de 20 A.C. chamado “Marco Dourado”, usado como ponto de referência para viajar por todo o Império Romano – ponto de partida/chegada. O marco dourado aqui é a nascente do Rio São Francisco. Dessa forma, o painel funciona como uma metáfora que apresenta certa semelhança com o fluxo de ideias, as trocas culturais, as diversas matrizes e encruzilhadas mundiais que caracterizam as Minas Gerais.

Sinuosidades: Pathosformel mineiro e suas replicações

Luis Felipe Hirano

Sinuosidades: Pathosformel mineiro e suas replicações

A palavra Minas
Carlos Drummond de Andrade

Minas não é palavra montanhosa
É palavra abissal
Minas é dentro e fundo
As montanhas escondem o que é Minas.
No alto mais celeste, subterrânea,
é galeria vertical varando o ferro
para chegar ninguém sabe onde.
Ninguém sabe Minas. A pedra
o buriti
a carranca
o nevoeiro
o raio
selam a verdade primeira,
sepultada em eras geológicas de sonho.
Só mineiros sabem.
E não dizem nem a si mesmos o
irrevelável segredo
chamado Minas.

As sinuosidades das montanhas, estradas, minas, relevos e gestos parecem constituir uma espécie de Pathosformel mineiro. Tais linhas curvas ganham replicações no cinema, na fotografia, nas artes plásticas e na arquitetura mineira e brasileira. Esse painel busca estabelecer montagens que expressam essas sinuosidades.

“Para onde nos atrai o azul?”

Sabrina Parracho Sant’Anna

“Para onde nos atrai o azul?”

“Para onde nos atrai o azul?”, perguntava-se o narrador de Guimarães Rosa antes de calar-se diante da teoria da alma elaborada por Zito no quarto prefácio de Tutaméia. Elegi para este painel, a cor que habita os tetos das igrejas de Mestre Ataíde, mas também o céu contrastante na terra vermelha do ferro mineiro e a azulejaria de Portinari na Igreja da Pampulha. Não há apenas um, mas muitos páthos na arte contemporânea mineira. A tela sem moldura de Lygia Clark. A busca de Ana Pi pela ancestralidade africana no cosmopolitismo da dança contemporânea. O barroco perverso de Farnese de Andrade e Eder Santos. O azul é um convite para aproximações e afastamentos, continuidades e rupturas, memórias e matérias.