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Pessoas

A confabulação mineira

José Miguel Wisnik

A confabulação mineira

O projeto Minas Mundo nos desafia a abordar as relações íntimas e avessas entre indivíduo e sociedade, sujeito e família, cultura e meio físico, localidade e nação, circunstância e universo, que se tramam em Minas Gerais.

N’ “O colóquio das estátuas”, Drummond vislumbra nos profetas do Aleijadinho uma espécie de figuração emblemática do modo mineiro de estar-no-mundo. Poder-se-ia conceber em outro lugar, pergunta ele, essa “reunião fantástica” em que profetas confabulam sem palavras, “entre cones de hematita”, mantendo “com o universo uma larga e filosófica interconexão”, senão nessa terra paradoxal em que “a febre grosseira” da mineração se transmuta em atmosferas místicas, e na qual a sabedoria pastoril converte-se na “loucura organizada, explosiva e contagiosa” das revoluções liberais?

Estão envolvidas nessa confabulação silenciosa a economia mineradora e agrária, a religião, a política, a arte e a indagação metafísica. Escrevi, em Maquinação do mundo – Drummond e a mineração, que esse texto pode ser lido considerando suas afinidades com “A máquina do mundo” e “Relógio do Rosário”, poemas escritos na mesma época que a crônica. E sugeri existir um diálogo de recados não intencionado entre “A máquina do mundo” e “O recado do morro” de Guimarães Rosa, textos em que os morros confabulam silenciosamente, e nos quais a geografia física e a geografia humana se mostram inseparáveis.

Confabular é “trocar ideias”, mas “em tom suspeito, misterioso ou secreto” além de “combinar, maquinar, tramar” (Houaiss). Ao mesmo tempo, “contar histórias fantasiosas como se verdadeiras fossem”. De algum modo, a trama semântica da palavra inclui o exercício político e a fabulação, no sentido mesmo de ficcionalização. Em outros termos, um rebatimento entre o político e o literário que não deixa de ser significativo do lugar simbólico ocupado por Minas no Brasil. A expressão “confabulação mineira” ecoa propositalmente “inconfidência mineira” – acontecimento histórico-político no qual o bastidor da “confidência”, isto é, do segredo e da intimidade, está latente. A propósito, é o poeta da “Confidência do itabirano” que diz expressamente que “só mineiros sabem”, e que “não dizem / nem a si mesmos o irrevelável segredo / chamado Minas”. Trata-se de procurar correspondentes histórico-sociais para essa costura de confabulação, in/confidência, segredo e recado, na sondagem das múltiplas dimensões que levaram à construção – aliás convincente – de Minas Gerais enquanto mundo.

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