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Pessoas

Betinho: do quarto para o mundo

Bernardo Ricupero

Betinho: do quarto para o mundo

Entre os quinze e os dezoito anos, Herbert de Sousa, o Betinho, morou num quarto, afastado da família. Hemofílico, contraiu tuberculose, mas os pais preferiram não interná-lo num sanatório. No quarto, leu furiosamente, fez aeromodelismo, fotografia etc. Curado da moléstia nos pulmões, cursou madureza e ingressou, em 1958, no curso de Sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O mundo se transformava então, a Revolução Cubana capturando a imaginação de jovens pela América Latina. Uma instituição secular como a Igreja Católica não ficou inerte, convocando o Concílio do Vaticano II.

Betinho era então militante da Juventude Universitária Católica (JUC) que, em aliança com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), passa a controlar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o movimento estudantil. No agitado início da década de 1960, o protagonismo da UNE é cada vez maior, tendo papel decisivo na campanha pelas Reformas de Base. Inevitavelmente, os jovens católicos entram em choque com a cúpula da Igreja, o que abre caminho para a fundação da Ação Popular (AP), organização da qual o mineiro de Bocaiúva é o primeiro coordenador nacional.

O golpe de 1964 leva Betinho a seu primeiro exílio. Como boa parte da cúpula do regime deposto, parte para o Uruguai. Logo, porém, retorna clandestino ao Brasil. No entretempo, a radicalização da AP se aprofunda, os jovens católicos convertendo-se ao maoísmo. Nosso herói, apesar de hemofílico, se “proletariza”, indo trabalhar numa fábrica de porcelanas em Mauá. Com o acirramento da repressão, se exila no Chile, onde se torna assessor do presidente de Salvador Allende. Um novo golpe leva-o, brevemente, ao Panamá e ao Canadá. Em Toronto, funda a Latin American Research Unit (LARU), centro de pesquisa sobre a América Latina.

Junto com a Abertura, ganha força a campanha pela Anistia, quando o Brasil “sonha com a volta do irmão do Henfil”. Betinho, como tantos exilados, retorna, finalmente, em 1979. No país, funda o Instituto Brasileiro de Análise e Planejamento (IBASE), organização que assessora movimentos sociais. A partir do IBASE, lança inúmeras campanhas como a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Cidadania, a chamada Campanha contra a Fome, que sensibiliza boa parte da sociedade. A última delas é em defesa dos infectados por AIDS, doença que o leva em 1997.

A trajetória militante de Betinho se confunde com as grandes questões do Brasil e do mundo na segunda metade do século XX. Hemofílico e oriundo de uma família da pequena-burguesia mineira, a maneira que encontra ânimo para sobreviver é abraçando um profundo messianismo. Inicialmente católico, depois maoísta, talvez tenha se convertido, finalmente, no que se poderia chamar estranhamente de um messianismo laico. Foi, de qualquer forma, a fome pelo mundo com a qual saiu do quarto aos dezoitos anos e encontrou satisfação respectivamente no catolicismo, na militância revolucionária, no trabalho que antecipa as organizações não governamentais (ongs), que marcou Betinho.

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