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Confissões de Minas: a poesia na praça de convites

Roberto Said

Confissões de Minas: a poesia na praça de convites

A autobiografia é uma das linhas constitutivas da trajetória drummondiana. O sujeito que assina o texto parece atravessá-lo, a ponto de fazer do poético um espaço de prospecção do ser. De uma extremidade a outra da obra, a escrita se realiza sob a vigência de uma genealogia, com a qual o poeta fabula sua própria história, individual e familiar. No entanto, esse gesto autobiográfico não se realiza de modo transparente, posto que o problema colocado pelo poeta não é o de buscar a forma mais legítima ou a mais verdadeira de expressão ou de representação de si. Ao contrário, ele se inscreve no campo das práticas e das formações discursivas da modernidade, pautado pela crítica da subjetividade e pelo questionamento das categorias relativas ao sujeito e à sua interioridade. O elemento autobiográfico, embora esteja disseminado de um canto a outro de sua poesia, não atua senão para colocar em xeque a presença de uma subjetividade ou de uma identidade previamente constituídas.

Moderno por excelência e desdobrado ao longo de quase todo o século 20, esse processo de subjetivação deflagrado pelo poeta itabirano revela uma dimensão eminentemente reflexiva e filosófica, com a qual se desenvolve e se abre ao mundo, de modo a expandir, para um universo de interesses coletivo e histórico, o campo individual da experiência. Talvez resida nesse movimento paradoxal a grande virada efetuada por Drummond: ele define as margens de um novo território para a tradição poética brasileira, à medida que subverte a tendência intimista e introspectiva, “o gosto pela confidência” – característica destacada por Antonio Candido ao tratar da formação de nossa literatura – dando-lhe, sob laboriosa busca estética, uma dimensão meta-subjetiva. Pode-se notar, na esteira dessa revolução do discurso poético, a presença de um outro sujeito textual – outro inclusive em relação ao próprio modernismo – imbuído de novas ordenadas e tarefas.

É com esse complexo arranjo poético que a escrituralização da subjetividade literária é deslocada por Drummond, alcançando o estatuto de pensamento filosófico sobre o sujeito, abordado em sua contingência histórica. Sua obra, ao explorar as ambivalências existentes entre uma história pessoal e particular e as disjunções mais amplas de sua inserção histórica e política, parece desviar a poesia brasileira e, sobretudo, a mineira, dos bastidores da confidência, conduzindo-a como atitude existencial até o palco público e cosmopolita de reflexões.

Com Drummond, a poesia confessional e autobiográfica já não mais decorre da maturação ou do reconhecimento de uma interioridade em sua experiência expansiva frente à realidade. Já não se trata de encontrar forma adequada de expressão para uma “alma” atormentada, em descompasso com o mundo, nem de lhe revelar as contradições intrínsecas, mas sim de pensar tais tormentos e contradições no palco da modernidade nacional, atualizando-os, recriando-os esteticamente.

Este projeto de pesquisa visa a estudar a subjetivação engendrada na poesia drummondiana, a fim de analisar: a) as linhas de força que definem essa revolução subjetiva do discurso poético, com suas tensões intrínsecas; b) o modo como essa tradição por ele criada se desdobra, na condição de interlocução necessária e privilegiada, nas poéticas de escritores mineiros, modernos e contemporâneos, entre os quais se destacam Henriqueta Lisboa, Afonso Ávila, Ricardo Aleixo e Ana Martins Marques; e c) o viés político presente nessa tradição poética, situada nas encruzilhadas entre história e literatura, casa e mundo, entre as Minas e o vasto mundo.

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