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Futebol e atuação pública: o caso de Minas Gerais

Lucas Correia Carvalho

Futebol e atuação pública: o caso de Minas Gerais

A pesquisa se concentra nas trajetórias particulares de alguns dos mais importantes jogadores mineiros da história do futebol brasileiro, sobretudo Tostão (Eduardo Gonçalves de Andrade) e Reinaldo (José Reinaldo de Lima). Trajetórias distintas, mas reveladoras de uma ambiência em que o futebol despontava como esporte de massa e se integrava à dinâmica urbana de Belo Horizonte. Fundada em 1897, logo após a Proclamação da República Primeira, Belo Horizonte foi a primeira cidade projetada do Brasil. Seus traços retos e avenidas largas seguiam os modelos urbanísticos europeus, incluindo parques e jardins como elementos fundamentais da paisagem urbana. Contudo, o desenho essencialmente urbano e moderno contido no plano piloto em contraste com a antiga e decadente capital de Minas Gerais, Ouro Preto, não era o que as circunstâncias sociais permitiam. O rápido crescimento populacional extrapolou os limites criados pelo cinturão formado pela Avenida do Contorno, e os traços da cidade rapidamente assumiram contornos tortuosos, à revelia da racionalidade que se queria primeiramente imprimir. Características modernas e tradicionais conviviam intensamente e sociabilidades provincianas se imiscuíam ou mesmo sobrepujavam aquelas mais cosmopolitas, as quais, na cabeça dos engenheiros, deveriam ser a base do movimento da cidade. Projetada para a dinamicidade e velocidade de uma sociedade de massas, Belo Horizonte manteria vivo seu provincialismo e ruralidade, esvaziando seus espaços públicos. O futebol e os clubes se tornaram formas intensas de convívio e mesmo de associativismo dessa sociedade que se massificava. Como ademais revela sua relação com o espaço urbano em diversas paragens, no futebol o espírito coletivo de uma sociabilidade tradicional em decadência é reavivado, mas em um contexto social em que não o é mais possível da mesma maneira, dada a crescente impessoalização e massificação dos contatos.

As trajetórias de jogadores como Tostão e Reinaldo são reveladoras dessa ambiência social, sobretudo porque, cada um à sua maneira, fizeram do futebol um espaço público. Tostão, tímido, com perfil intelectual-acadêmico, com vasta publicação em jornais sobre futebol, seus dilemas contemporâneos e a relação com a política. Reinaldo, ao contrário, extrovertido, sempre teve como marca as polêmicas e as opiniões fortes, como deixa clara a famosa comemoração logo após o gol, com o punho cerrado para cima. Em campo, ambos são reconhecidos pela técnica aprumada, embora com estilos distintos: Tostão, pela sua leitura do jogo, como se guardasse milimetricamente todas as coordenadas do campo e medisse os passes de acordo com elas; Reinaldo, veloz, driblador, tinha as características do que para muitos é a essência do futebol brasileiro, aquilatada pela presença na pequena área e a destreza do chute a gol. Os dois jogadores, ídolos dos dois maiores clubes de Minas, Cruzeiro e Atlético-MG, sofreriam com as constantes lesões e se aposentariam precocemente. Outro mineiro, o maior futebolista de todos os tempos, Pelé, serve aqui de contraponto, menos pela técnica (incrivelmente refinada e de criatividade única) e mais pela trajetória: nascido em Três Corações, logo quando menino migra para Santos, onde encanta e desponta como revelação. Seu engajamento em questões públicas seria parco, em contraste com a projeção mundial que teve, o que é expresso inclusive pela diferenciação, espécie de bordão, entre o Edson e o Pelé. Há ponto de comparação interessante ao caso “mineiro” aqui destacado: a denominada “democracia corintiana” dos anos 1980, liderado por um grupo de futebolistas politizados como Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon no maior clube de São Paulo, o Corinthians.

O objetivo da pesquisa, portanto, é investigar o modo como a interseção entre urbanidade, espaço público, atuação pública é revelada no futebol e na trajetória desses jogadores e como ela se revela sobretudo no “caso mineiro” em um contexto de crescente politização nos anos 1970 e 1980.

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