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Pessoas

O cosmopolitismo de nenhum e a cosmopoética do múltiplo. João Guimarães Rosa e o pensamento transamericano

Marília Librandi

O cosmopolitismo de nenhum e a cosmopoética do múltiplo. João Guimarães Rosa e o pensamento transamericano

O projeto Minas Mundo, que propõe pensar o cosmopolitismo mineiro e a cultura brasileira em chave comparativa, vai me permitir retomar dois estudos sobre Guimarães Rosa, em preparação. No primeiro, um verso de Wallace Stevens, “all/one ear”, oferece ocasião para pensar a unidade e a comunidade do Um (“all+one”) e do individualismo (“alone”), na cultura norte-americana anglófona, em contraste com o “nenhum, nenhuma”, o “nonada”, o “coisinha nenhuma”, que aparecem contínuas vezes na obra de Rosa. A função paterna (presente no poema de Stevens, que remete ao rio no qual seu pai ia pescar), explícita na nação dos “Founding Fathers”, será contrastada com a função paterna problematizada, afastada, no meio do rio, na orfandade, e no enigma da “terceira margem do rio”. Como pensar o local-universal, ou qual noção de comunidade se depreende dessas expressões em contraste: “todos um” (que não é o mesmo que “todo mundo”) e “nem um/nonada”? Na sequência, a intenção é avançar o paralelo em relação ao México, através da noção de “nenhumamos”, que aparece em El labirinto de la soledad, de Octavio Paz, em relação ao campo fantasmático das classes subalternas. O livro de Silviano Santiago, As raízes e o labirinto da América Latina, que contrasta as imagens de Octavio Paz e Sérgio Buarque de Holanda, será fundamental para completar o estudo com uma abordagem de Diadorim, personagem que é também ela/ele/ “nenhum, nenhuma”/ e que, em leituras recentes aparece como o primeiro personagem “trans” na literatura brasileira. Por fim, o “all/one ear” de Stevens é contraposto ao símbolo do infinito, a lemniscata, que encerra/abre Grande sertão: veredas, a partir de anotação feita pelo próprio escritor, e que demarca: “∞ = par de orelhas”. No segundo estudo, a intenção é avançar uma análise da estrutura enunciativa de A queda do céu, no diálogo entre Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert, e a estrutura de diálogo-monólogo entre Riobaldo e o doutor da cidade, descrevendo a estrutura da escuta na escrita de ambas as obras. No caso, a cosmopolítica ameríndia, e sua diplomacia inter-espécies, nos ajudará a pensar o detalhe minucioso das frases de Rosa, que nos apresenta um mundo perspectivista no qual “tudo era falante”. Como entender (ouvir) a presença de um pensamento ameríndio no Mundo Minas de Guimarães Rosa?

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