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Pessoas

Uma Minas mundo negra

Flávio dos Santos Gomes e Lilia Moritz Schwarcz

Uma Minas mundo negra

Este projeto pretende explorar uma hipótese em dois tempos: nos tempos da escravidão e nos tempos do pós-abolição. A hipótese é que, durante muito tempo, Minas tornou sua população negra invisível, como se fosse uma província e depois um estado basicamente “branco”. Ou melhor, não é correto dizer que Minas produziu uma representação branca, mas ela era, com certeza, “não negra”. Minas não era negra como a Bahia e o Nordeste, mas também não era branca como o Sul e o Sudeste da imigração europeia. Ao que tudo indica, em Minas aproveitou-se do crescimento da representação de uma “Bahia negra”. Paradoxalmente, a África no Brasil estaria demograficamente mais concentrada na Província das Minas Gerais, pelo menos durante os séculos XVIII e XIX. As paisagens mineiras da segunda metade do XVIII ficariam marcadas pelas grandes imigrações da década de 1740 a 1770, quando entram maciçamente africanos centrais e, pós 1769, do Sul de Angola. Esses dois grupos africanos, e as primeiras gerações de crioulos, filhos desses primeiros imigrantes já nascidos no Brasil, protagonizariam várias revoltas –1720, 1723, 1756 e 1790 – cujos planos foram descobertos, justamente, por conta das tensões entre grupos Minas, da África Setentrional, e Angolas, da África Central. Com a abertura de novas fronteiras econômicas de produção de alimentos e depois a entrada do café, percebe-se, já no século XIX, grande presença africana, inclusive advindas das regiões Orientais – os chamados Moçambiques. Enfim, a essas alturas, demograficamente falando, Minas era tanto ou mais africana que a Bahia, mas permaneceu descolorida nos imaginários nacionais do século XIX e do pós-abolição.
Essa população estaria presente nas fotografias de dois profissionais mineiros. Nos referimos a Chichico Alckmin (Diamantina, 1886-1978) e Assis Horta (Diamantina, 1918 – Belo Horizonte, 2018). Horta imortalizou o patrimônio arquitetônico e a sociedade de Diamantina. Mas sua carreira ganhou outro destino em 1943, com a consolidação das Leis do Trabalho. Ao tornar obrigatória a carteira profissional, com a foto 3X4, a medida teve como consequência levar a classe trabalhadora para dentro do estúdio fotográfico. Já Alckmin, fotografou indivíduos, grupos animados, todos negros, muitos bem apresentados com seus vestidos armados, ternos bem cortados e sapatos lustrados. Mais do que interioranos, eles se mostravam como cosmopolitas e conectados com outras elites negras. Esse processo de invisibilidade e visibilidade das populações negras mineiras é, pois, texto e pretexto desse projeto a quatro mãos.

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